Da fome à abundância

Ômar Souki
Jeannette Wells saiu da pobreza absoluta na infância em Welch, West Virgínia, nos Estados Unidos, para viver uma vida de sonhos em uma propriedade rural perto de Nova York. Não, ela não ganhou na loteria, ou se casou com um milionário. Nada disso! Ela “simplesmente” escreveu uma obra sobre a sua trágica infância: O castelo de vidro. O livro tornou-se um fenômeno editorial que somente ocorre uma vez em cada década. Foi traduzido em 35 idiomas e permaneceu 461 semanas na lista dos não-ficção mais vendidos do New York Times. E, para completar, em 2017 foi adaptado para o cinema.
Assisti o filme na Netflix e fiquei impressionado com a história. Jeannette, suas duas irmãs e seu irmão eram filhos de um casal completamente desequilibrado. O pai, alcóolatra, não conseguia trazer o sustento para o lar, enquanto a mãe—que sonhava em tornar-se famosa—ava o tempo pintando quadros de qualidade duvidosa. Como não conseguiam pagar aluguel, viviam mudando de lugar e, com frequência, procuravam casas abandonadas para morar. As crianças viviam largadas, ando fome e tendo de comer do lixo. Quando Jeannette tinha três anos sofreu uma séria queimadura no abdômen enquanto tentava cozinhar algumas salsichas para matar a fome.
À medida que as crianças cresciam o pai lhes prometia construir um “castelo de vidro”, que teria energia própria, onde poderiam viver confortavelmente. Apesar do seu vício, o pai tinha uma qualidade: estava sempre fortalecendo a autoestima de Jeannette. Quando ela lhe dizia que estava vendo demônios, ele a encorajava a enfrentá-los. Caso corresse deles, eles a perseguiriam sem parar. Assim, ainda jovem, ela enfrentou com coragem, determinação e otimismo as suas próprias limitações e conseguiu um emprego de repórter no jornal local. Também cursou a universidade, onde se formou com louvor, e foi trabalhar para a MSNBC, uma rede de televisão de notícias de 24 horas, onde entrevistava pessoas famosas. Mas, foi somente depois dos 40 anos que teve a coragem de revelar o seu ado.
Ironia das ironias, enquanto entrevistava as pessoas sobre suas vidas pessoais, ela escondia a sua a sete chaves. Para os outros ela falava que era filha de pais bem-sucedidos. Progrediu no jornalismo e ou a conviver com os famosos de Nova York. Enquanto isso seus pais foram viver em um prédio abandonado na mesma cidade. Enquanto estava em um taxi, vindo de um jantar elegante, ela viu o seu pai e a sua mãe se alimentando do lixo. Depois do sucesso do livro, mudou-se para o campo. Hoje vive com seu marido, em uma propriedade rural, onde possui 11 galinhas, 10 gatos, 4 cavalos e dois cães labradores. Fez uma casa atrás da sua onde trouxe a mãe para morar após a morte do pai em 1994. A mãe faleceu em 2019.
A nossa heroína tinha tudo para desistir da vida. Chegou a dizer: “Eu sei o que a gente sente quando não se tem luz elétrica. Eu sei o milagre que é ter verdadeiras mordomias como é um vaso sanitário em casa”. Apesar de tudo, ela soube—com coragem, determinação e otimismo—enfrentar seus próprios “demônios” e vencer a briga.